quarta-feira, 18 de junho de 2014

Degradação e esquecimento

imageÉ bem evidente que minha arte preferida é a música, tanto que tenho um blog majoritariamente sobre. Ela está presente nas vinhetas dos meios de radiodifusão, nas propagandas, nas lojas do shopping, na novela, no filme, na série, no carro, no celular... "Music mix the bourgeoisie and the rebel". É de se supor que pela presença quase onipresente dela na vida cotidiana, a música seja valorizada. Mas não é o que vemos por aí, principalmente no Brasil e, mais ainda, para meu desgosto, na minha geração e nas posteriores.


Cada momento da minha vida tem uma trilha sonora e a minha biblioteca é um dos meus tesouros mais valiosos. Também tenho muito orgulho de meu gosto musical e muita estima pelos artistas que o compõem. Colocar o fone de ouvido e deitar num ambiente silencioso é a terapia psicológica mais eficaz em mim. Eu gosto de apreciar as nuances das canções, os instrumentos, a voz, a letra e, para isso, é preciso atenção na escuta, organização dos arquivos... enfim, uma série de ações para ouvir com qualidade as faixas certas nos momentos certos. E isso vale a pena porque o material é de excelente qualidade e os efeitos, como disse, são muito positivos.


*Post originalmente publicado em dougmota.tumblr.com



Só que venho observando um fenômeno no mínimo triste em multidões, sobretudo nos jovens brasileiros. Não é novidade para ninguém que, por algum motivo, [espero não soar muito ideológico nas expressões a seguir] a indústria do entretenimento e a mídia de massa insistem em difundir produtos descartáveis e de qualidade duvidável. São dezenas de cantores que foram lançados e esquecidos na última década. É difícil fazer sucesso com algo bom e se consagrar. Ou você entra no esquema da coisa, ou desiste, ou vai pelo caminho mais difícil do mundo alternativo. Atenção: não quero dizer que a música alternativa é melhor do que a popular. Sem generalizações.

Um dos mais recentes exemplos é a recepção aos vitoriosos do The Voice Brasil. Fui testemunha de vários comentários pessimistas a cerca desses artistas tão talentosos. As pessoas são incrédulas, mas com razão. Eles não vão aparecer no programa do Faustão ou da Eliana com a mesma frequência que a dupla de sertanejo universitário, ou terão suas músicas tocadas repetidas vezes na novela das 9 ou na estação de rádio como aquela que se refere a uma mulher "piradinha". Pode soar conspiratório, mas parece que querem ao máximo afastar a boa música brasileira da população. Mudaram de estratégia depois da morte de Renato Russo e de Cazuza e transformaram a geração deles em produto segmentado?

Na data em que começo a escrever esse post, dia 30/12/2013, enquanto tentava tirar um cochilo no quarto, minha avó assistia ao programa da Eliana na televisão da sala. Por boa parte do tempo tudo que ouvi era um funkeiro desafinado com uma voz irritante cantando versos que não consegui entender. Mas a batida era quase que constante durante todo o show. A exceção foi quando Wanessa se apresentou e, pela distância, não consegui notar se fez playback ou não. Aliás, esse é um ótimo ponto para discussão. Parece que no Brasil, ao contrário do que vejo em outros países, as apresentações musicais televisivas são simplíssimas e, na maioria das vezes, o vocalista faz playback. Portanto, torna-se difícil julgar a real performance de um cantor por aqui.

Wanessa, outrora chamada Camargo, mudou seu estilo e não vejo o menor problema nisso, ao contrário dos tradicionalistas guiados, cavalos puxando carroças que não veem o redor. É bem claro que essa música eletrônica foi gravada para ser tocada em boates e danceterias. Eu já tive a infeliz experiência musical nesses ambientes. Faço muito esforço, mas não consigo entender por que colocam o volume das caixas de som tão alto. Além de ser extremamente nocivo à saúde, distorce completamente a voz do artista. Na primeira vez em que fui ao Espaço Acústica, no Centro do Rio, fiquei apavorado com como "Your Body", da Christina Aguilera, parecia estar sendo cantada por um teletubbie. Blasfêmia.

Parte dessa geração que frequenta espaços assim super infla o valor agregado a fenômenos passageiros, descartáveis e de qualidade duvidosa. Nesse campo podemos listar de Naldo a Valesca Popozuda, passando por Anitta e companhia. Não nego o talento que existe nesses indivíduos, e nem desejo o pior para suas carreiras, mas suas vocações poderiam e deveriam ser melhor direcionadas. O exemplo mais notável dos últimos meses foi o "Ah lek lek", do grupo Avassaladores. Durou menos de um ano. Fazendo uma breve volta ao tempo, chegamos ao "Se ela dança, eu danço", do MC Marcinho, que foi um dos primeiros funks, se não me falha a memória, a transcender as frequências das rádios populares e alcançar as do nicho jovem de classe média, como a Jovem Pan e a Transamérica.
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A MTV que, por anos teve papel primordial na renovação da música com certo padrão de qualidade, entrou em declínio na última década e acabou com uma morte inglória. No desespero para sair do buraco financeiro, passou a apostar, a cada ano, num nicho específico e utilizar toda a sua força para promovê-lo. Foi assim com as bandas coloridas, com o hip-hop paulistano e quase foi com o tecno-brega. Ignorou um turbilhão de bandas e artistas solo e sacrificou sua identidade. Já o concorrente Multishow virou uma espécie de rádio pirata da TV por assinatura, mas consegue fazer dinheiro e se manter. No entanto, a música de qualidade é tão necessária que as organizações Viacom e Globo criaram a VH1 e o Bis, respectivamente. Ambos canais são bem programados, mas ainda sinto falta de grandes premiações musicais. Por que não fazer uma espécie de Grammy ou AMA, que lá fora são transmitidos em TV aberta e em horário nobre, nessas emissoras?

A qualidade das premiações brasileiras é proporcional à dos videoclipes que, por sua vez, segue a tendência do cinema. Não temos estrutura para gravar clipes/longas grandiosos como EUA e Inglaterra, ou falta vontade? Para mim, os do Jay Vaquer ficam acima da média. A falta desse complemento à música também ajuda no flop dos vencedores de reality shows. Não temos uma Kelly Clarkson, ou um Adam Lambert (que sequer venceu, mas continua presente na mídia). Quantos saíram vitoriosos do  Fama, do Ídolos, dos genéricos do SBT e dos quadros de calouros do Raul Gil, e só nos lembramos do Rouge, que foi bem divulgado enquanto durou, e do Robson "anjo", que é lembrado com humor e acabou na indústria gospel.

Música boa deve ser mainstream, tocar no programa de auditório de domingo, nas novelas, nas festas de família de qualquer classe social e ser bem apreciada de maneiras adequadas. Tenho um sonho utópico em que as gravadoras e outras empresas de mídia passariam a diminuir o foco dado à música descartável e enxergariam os inúmeros talentos potenciais que nós temos; que meus colegas e os donos de casas noturnas teriam um pouco mais de bom senso e diminuam o volume das faixas mixadas; que o crescimento notável do setor audiovisual brasileiro incluiria também os videoclipes; que as pessoas parariam com o preconceito com participantes de reality shows musicais; e que a Globo (porque sei que nenhuma outra tem dinheiro para nem vontade de fazer) faria uma grande premiação musical com artistas de primeira, afinal, a CBS, que é menor do que ela, transmite o Grammy.
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